A demissão e abandono da Primeira-Ministra do país pode acalmar os ânimos das manifestações que têm parado o Bangladesh e as empresas da sua importante ITV, mas o futuro é uma incógnita e as grandes marcas mundiais estão atentas.
Fonte: Portugal Têxtil – https://portugaltextil.com/duvidas-no-bangladesh/
Sheikh Hasina, a Primeira-Ministra que durante 15 anos governou o país de 170 milhões de pessoas, saiu ontem do Bangladesh, dando margem para que os protestos (nos quais morreram centenas de pessoas) que têm parado as atividades económicas possam acalmar, mas o grau de incerteza, nomeadamente na importante indústria têxtil e vestuário – só a produção de pronto-a-vestir deverá representar 90% dos 55 mil milhões de dólares de exportações no ano fiscal de 2024, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional –, é ainda muito grande.
Hoje, 6 de agosto, as fábricas estão fechadas por recomendação da Associação de Produtores e Exportadores de Vestuário do Bangladesh (BGMEA), revela Miran Ali, vice-presidente da associação e diretor-geral do Bitopo Group e da Tarasima Apparels, citado pelo Sourcing Journal. «Amanhã daremos novas indicações», acrescenta.
Nas últimas semanas, a BGMEA tem-se multiplicado em apelos à solidariedade por parte dos compradores. Numa publicação nas redes sociais da associação, S. M. Mannan, presidente da BGMEA, afirma ter pedido «aos compradores para que sejam solidários com as fábricas na situação atual. Solicitei especificamente a todos os compradores que não criem qualquer pressão adicional sobre as fábricas afetadas devido a atrasos inesperados».

As notícias dão conta de perspetivas diferentes por parte dos diversos compradores. A H&M, que compra vestuário em cerca de 1.000 fábricas no Bangladesh, de acordo com a Reuters, indicou estar «preocupada» com a situação. A Adidas afirma ter apenas um fornecedor no Bangladesh, com o qual está «totalmente envolvida» para garantir que os direitos dos trabalhadores são mantidos, aponta o Sourcing Journal.
O jornal local The Business Post, por seu lado, reporta que muitos compradores internacionais cancelaram as encomendas ou estão a exigir compensações. «Alguns compradores estão a insistir em envios aéreos de bens em vez da habitual rota marítima. Além disso, o encerramento de empresas parou a produção, aumentando os prejuízos», indica. As estimativas preliminares das associações industriais apontam para prejuízos de 800 milhões de dólares só nos últimos cinco dias, sendo que os prejuízos resultantes do bloqueio das comunicações – entretanto repostas – deverão rondar os 4 mil milhões de dólares.
Já Mostafiz Uddin, diretor-geral da Denim Expert, assume ao Sourcing Journal que os seus clientes têm sido compreensivos sobre os atrasos na produção. «Estão a poiar-nos nesta situação difícil», garante. «São parceiros de longo prazo. Chegaram-se à frente. Com a ajuda deles, vamos cobrir todos os atrasos», acredita.
O que se pode esperar
Na Índia, que nos últimos anos estabeleceu uma forte parceria com o Bangladesh, a situação é considerada preocupante. «Estamos a monitorizar de perto os desenvolvimentos. O crescimento do Bangladesh no sector têxtil tem sido inspirador e deu força aos fluxos comerciais em todo o subcontinente. Embora estejamos preocupados com o impacto na cadeia de aprovisionamento e os potenciais atrasos e interrupções que possam existir, esperamos que a situação melhore em breve», afirma, ao Economic Times, Chandrima Chatterjee, secretária-geral da Confederação da Indústria Têxtil Indiana.
A crise vivida pela indústria no país poderá levar, segundo alguns especialistas, à divergência de encomendas, que poderá beneficiar países como a própria Índia, o Vietname, o Camboja ou a Indonésia.
«Depois do covid-19, os compradores estrangeiros estão a enfatizar, o mais possível, a estabilização da cadeia de aprovisionamento e o atual clima político incerto no Bangladesh pode ter um impacto negativo significativo», acredita Rafiqul Islam Rana, professor assistente de retalho na Universidade da Carolina do Sul, citado pelo Sourcing Journal. «A UE, um dos maiores mercados [de vestuário] do Bangladesh, recentemente adiou as negociações sobre relações comerciais, económicas e de desenvolvimento para monitorizar primeiro a situação em curso», acrescenta.
Os próximos desenvolvimentos serão fulcrais para o país e para a sua indústria têxtil e de vestuário. O exército fala de um governo interino e alguns manifestantes estão a pedir que Muhammad Yunus, economista, banqueiro e Prémio Nobel da Paz em 2006, seja o conselheiro deste governo. Mas terão de ser realizadas eleições e a incerteza deverá prolongar-se no tempo.
Sheikh Hasina fez reformas que permitiram o crescimento rápido da economia, mas a repressão e a atribuição de cargos sobretudo às elites levaram à insurreição nas ruas. Há ainda a preocupação, nomeadamente por parte dos EUA, de que o islamismo radical, que a agora ex-Primeira-Ministra controlou com mão firme, segundo os analistas, possa, de alguma forma, voltar a fazer estragos. A saída de Sheikh Hasina abre também uma oportunidade para a China aumentar a sua influência no país.
«As empresas globais têm uma alta tolerância a terramotos políticos em mercados emergentes e estão a lidar com uma lista crescente de dores de cabeça na cadeia de aprovisionamento em todo o mundo. Mesmo assim, o Bangladesh oferece novas incógnitas», conclui a Reuters.
