Outubro 2, 2024

Portugal Têxtil – As leis que estão mudando a indústria da moda

"Nos últimos tempos, quase diariamente, somos confrontados com notícias sobre a obrigatoriedade das empresas cumprirem novas exigências em matéria de sustentabilidade. A torrente legislativa da União Europeia nesta temática é de tal ordem que o normal, diria, será perdermo-nos no emaranhado de normas, requisitos e regulamentos."

Empresas como a RDD já estão antecipando as obrigações decorrentes da legislação europeia, desde o relatório de sustentabilidade até o passaporte digital do produto, que, como afirmam os especialistas, vão indubitavelmente marcar o futuro desta indústria.

Fonte: Portugal Têxtil – https://portugaltextil.com/as-leis-que-estao-a-mudar-a-industria-da-moda/

Diante do “emaranhado” de legislações que estão sendo aprovadas ou em vias de aprovação na União Europeia, a ModaPortugal Circular – a iniciativa do CENIT voltada para a sustentabilidade – dedicou a segunda palestra, em um ciclo de 12 organizadas no âmbito do Projeto Lusitano, à legislação europeia que tornará a indústria da moda uma das mais reguladas.

“Nos últimos tempos, quase diariamente, somos confrontados com notícias sobre a obrigatoriedade das empresas cumprirem novas exigências em matéria de sustentabilidade. A torrente legislativa da União Europeia nesta temática é de tal ordem que o normal, diria, será perdermo-nos no emaranhado de normas, requisitos e regulamentos. Torna-se, por isso, premente organizar eventos como este para gerar conhecimento e partilhá-lo pelas empresas e diferentes agentes que compõem a indústria de têxtil e vestuário nacional”, justificou Luís Hall Figueiredo, presidente do CENIT, na abertura do evento, que ocorreu online no Dia Nacional da Sustentabilidade (25 de setembro).

Rosa Maia, consultora e formadora do CITEVE, descreveu o quadro geral e destacou os principais desafios e metas que as empresas enfrentam perante o Pacto Ecológico Europeu e a Agenda 2030. As mudanças climáticas e seus efeitos, incluindo fenômenos extremos, têm afetado não só as cadeias de fornecimento, mas também o futuro dos negócios. A produção global de fibras quase dobrou desde 2000 e prevê-se um aumento contínuo até 2030. Este crescimento acarreta um elevado impacto ambiental, desde o consumo de recursos naturais até à geração de resíduos, segundo a Agência Europeia do Ambiente. “O fato de consumirmos tem impacto em termos ambientais, porque utilizamos recursos naturais, mas também utilizamos o solo e acabamos por consumir água”, enumerou. “Por outro lado, também sabemos que os produtos, quando o seu fim de vida acontece, também geram resíduos. E em termos de pegada de carbono, a quantidade de CO2 é de cerca de 270 quilos”, indicou.

Para enfrentar esta realidade, a Agenda 2030 e o Pacto Ecológico Europeu, lançados em 2019, traçam um caminho ambicioso para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 55% até 2030 e tornar a Europa o primeiro continente neutro em carbono até 2050.

No setor têxtil, a Comissão Europeia estabeleceu uma estratégia para a sustentabilidade, introduzindo regras para o ecodesign e o passaporte digital, cujo regulamento foi publicado em 2024.

Além disso, as empresas têm de cumprir a Diretiva de Relatório de Sustentabilidade Corporativa, com obrigatoriedade de reportar o desempenho não financeiro a partir de 2026. Esta legislação exige que as grandes empresas do setor comecem a preparar relatórios anuais sobre o impacto ambiental de suas operações. “Mais cedo ou mais tarde, as nossas pequenas e médias empresas poderão também ter essa obrigação”, acredita Rosa Maia, salientando que “neste momento existem empresas que estão a fazer o relatório de sustentabilidade de forma voluntária”, para dar resposta a clientes e outras partes interessadas, como entidades bancárias.

Já foi igualmente publicada a diretiva de diligência devida, assim como um regulamento sobre taxonomia. “A legislação publicada é, na realidade, o primeiro passo para que as empresas estejam atentas e se vão preparando para estas exigências”, apontou.

A consultora e formadora do CITEVE enfatizou que o setor têxtil está entrando em uma nova era, onde a legislação europeia impõe medidas rigorosas, desde o design de produtos sustentáveis até à gestão de resíduos, e, como tal, precisam se adaptar rapidamente, ajustando seus sistemas de informação e práticas para cumprir estas novas exigências legais. “Temos muitos desafios no horizonte”, resumiu.

No caso do ecodesign, explicou João Pinto, sócio da Aliados Consulting, o objetivo é que as empresas passem de um modelo linear para um modelo circular, tornando os produtos mais duráveis, reutilizáveis, reparáveis e recicláveis.

A regulamentação exige que os produtos sejam desenhados com requisitos ecológicos específicos e introduz o passaporte digital do produto, cujos primeiros modelos deverão estar operacionais “no início de 2027”, avançou. Este passaporte fornecerá informações detalhadas sobre a origem, composição, pegada de carbono e reciclabilidade dos produtos, garantindo maior transparência e rastreabilidade na cadeia de valor.

“Quem não conseguir apresentar um produto que cumpra estas exigências, nem vale a pena entrar no jogo”, considera João Pinto.

O exemplo da RDD

É nesse sentido que a RDD tem trabalhado, também para responder às crescentes solicitações dos clientes, espalhados por toda a Europa, com destaque para o Reino Unido, Itália e França, em áreas ligadas à sustentabilidade.

“A indústria têxtil já há algum tempo que é obrigada a cumprir uma diversidade de requisitos e de regulamentos, quer a nível da segurança dos produtos, das substâncias químicas que utilizamos, a questão da rotulagem e até alguns requisitos ambientais. No entanto, o que temos sentido nestes últimos anos é que tem aumentado a pressão sobre a parte dos requisitos ambientais, da responsabilidade social e práticas éticas, tecnologia e digitalização e transparência e rastreabilidade”, afirmou Diana Soto, especialista em sustentabilidade e avaliação do ciclo de vida do produto da empresa do grupo Valérius. “Temos tido vários pedidos do cálculo da pegada de carbono da empresa, os três âmbitos, e também do relatório de sustentabilidade, que apesar de não sermos obrigados a fazer, de fato já temos alguns clientes que nos pedem este documento”, revelou.

“Até agora era suficiente para as empresas apresentarem metas e objetivos e estratégias nesta área da sustentabilidade. Agora, com o relatório de sustentabilidade, as empresas vão ser obrigadas a mostrar efetivamente o seu desempenho, a demonstrar as ações que fazem durante o ano para atingir estes objetivos e depois também, a partir daqui, a definir novos objetivos e metas”, realçou.

Tendo começado por um documento “muito simples”, a RDD tem evoluído para um relatório cada vez mais completo. “Para nós foi mesmo uma questão de preparar o futuro. No entanto, à medida que fomos fazendo o relatório, percebemos outras vantagens, principalmente nesta questão da diferenciação da empresa. Podemos dizer aos nossos clientes que já temos um relatório, também houve uma melhoria na gestão de riscos, tanto a nível ambiental, social ou de governança, a otimização do custo e poupança, porque nos permitiu identificar pontos de desperdício, de ineficiência e atuar sobre esses pontos e também, claro, no apoio da tomada da decisão e na definição de estratégias de sustentabilidade que sejam coerentes com a empresa”, acrescentou.

No caso do passaporte digital do produto, a RDD tem trabalhado com o CITEVE no desenvolvimento de uma solução que integra dados como pegada de carbono, consumo de água e químicos, além de opções de descarte ao final da vida útil das peças. “Além disso, este passaporte inclui também a pontuação para a parte econômica e social da empresa. Neste caso, a informação que pode ser solicitada é, por exemplo, o número de trabalhadores, o número de trabalhadores femininos e masculinos, o número de trabalhadoras em cargos de chefia, alguma informação sobre os salários, como a diferença entre o salário mais baixo e o mais alto, a diferença entre o salário médio para homens e para mulheres, informações sobre o tipo de contrato, sobre a média de horas semanais trabalhadas, as horas de formação que são disponibilizadas aos trabalhadores e, em seguida, alguns indicadores da situação econômica da empresa, que também são indicadores que constam no IES, portanto, nada muito complicado”, enumerou Diana Soto.

O trabalho nesse âmbito, contudo, acarreta várias dificuldades, especialmente relacionadas à coleta de dados e à criação de uma infraestrutura tecnológica adequada para armazenamento e compartilhamento de informações que também garanta a privacidade e segurança dos dados.