Criada há menos de dois anos e já vendendo mais que o dobro da concorrência, plataforma chinesa replica a fórmula de preços baixos e presença vibrante nas redes sociais.
Fonte: Diário do Comércio – Diário do Comércio (dcomercio.com.br)
Tido como um dos maiores mercados da Shein, Alibaba e Shopee, o Brasil está prestes a receber um novo marketplace chinês ainda neste semestre – a Temu. No ar há menos de dois anos e com uma política de preços agressiva, a plataforma já é o segundo aplicativo mais popular nos Estados Unidos em termos de usuários mensais, atrás apenas da Amazon.
E, pelo jeito, tem tudo para sentirmos o mesmo efeito no Brasil. Embora ainda não tenha um e-commerce funcionando no país e esteja presente em outros 18 países, o site da Temu é bem visitado por brasileiros. São mais de 220 mil acessos por mês sem sequer ter lançado oficialmente suas operações por aqui.
O que isso sinaliza? No mínimo, muita curiosidade, aponta Sandro Magaldi, consultor de varejo. Considerada uma mistura de Shopee e Shein, a Temu vende de tudo um pouco – de itens de cozinha a roupas e eletrônicos.
Os preços bem mais baixos que a média do mercado dos países em que atua são possíveis devido ao uso de inteligência artificial que conecta empresas de atacado diretamente com os consumidores finais, eliminando os intermediários.
Mas o pulo do gato, segundo Magaldi, são as ferramentas de gamificação. O acesso ao site pode ser feito pelo computador ou pelo aplicativo de celular e essas ferramentas fazem do comprador um participante ativo no app, pois ao comprar em qualquer uma das duas plataformas é possível conquistar benefícios e créditos para fazer mais compras futuras.
Ao completar tarefas, como determinado número de compras, quantidade de logins no aplicativo ou convite para novos usuários, o cliente vai acumulando descontos em produtos, que podem até sair de graça. São itens de baixo valor, que compensam o custo de aquisição do cliente e chamam a atenção do público.
E isso se traduz em taxas de engajamento muito fora da curva para o varejo. Os usuários dedicam, em média, 22 minutos por dia na Temu, contra 11 na Amazon e 12 na Shein.
Em meio a esse grupo de consumidores, as gerações X e Baby Boomers são as que mais compram na plataforma. Proporcionalmente, o grupo entre 55 e 64 anos é o que mais compra na Temu e consumidores com 59 anos ou mais são os mais fiéis, comprando em média 5,6 vezes no ano.
Há um ano, as vendas na plataforma da Temu superaram as da Shein nos Estados Unidos, quando ultrapassaram as da sua concorrente em cerca de 20%, de acordo com a Bloomberg Second Measure, que analisa transações com cartões de crédito e débito dos consumidores. A liderança seguiu crescendo a cada mês desde então e, em setembro do ano passado, a Temu passou a ter mais do que o dobro das vendas da Shein no país.
Um dos pontos favoráveis em relação à Shein é a ampla gama de produtos oferecidos, em especial o forte apelo em eletrônicos e utensílios de cozinha que custam entre 5 e 10 dólares. Em itens mais caros, como aspiradores robôs, por exemplo, os preços chegam a ser até 70% menores que os da Amazon. Enquanto isso, a Shein opera principalmente sob sua marca própria e se especializa cada vez mais em moda.
A Temu também tem investido pesado em campanhas – na internet e fora dela. A despesa com marketing da empresa superou US$ 1,5 bilhão em 2023 e deve chegar a US$ 3 bilhões em 2024. Desse montante gasto em publicidade, 76% vai para as redes sociais, sendo praticamente metade disso no Facebook.
No início deste ano, a plataforma apareceu nos intervalos do Super Bowl, assistido por cerca de 100 milhões de telespectadores e considerado o espaço publicitário mais caro da televisão. Durante o evento, a Temu teve três comerciais e mais duas aparições após o jogo. Cada comercial de 30 segundos durante o Super Bowl tem um custo médio de US$ 7 milhões.
O INTERESSE PELO BRASIL
Há pouco mais de um ano, executivos da Temu estiveram no Brasil levantando dados sobre o e-commerce e o comportamento do consumidor. Entre as informações que interessavam aos chineses estavam o potencial de crescimento das compras on-line e como a concorrência se estabeleceu no país.
Os números do e-commerce brasileiro em 2023 mostram que as vendas totais atingiram a marca de R$ 185,7 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). Foram cerca de 395,11 milhões de pedidos e tíquete médio de R$ 470 por cliente.
O valor pode parecer ínfimo se comparado aos US$ 1,2 trilhão que os chineses movimentaram. Mas o que chama a atenção é que o crescimento médio das compras on-line tem sido de 30% ao ano no Brasil.
Em seu primeiro ano de vida (2022), a Temu atingiu um valor de vendas de US$ 2,3 bilhões. A Temu pertence à Pinduoduo (PDD Holdings), uma gigante do ramo de tecnologia, que vale mais de US$ 100 bilhões na Nasdaq e opera plataformas de comércio eletrônico desde 2015.
Seu fundador é Colin Huang, ex-executivo do Google China, que se tornou o terceiro homem mais rico da China desde que criou a Pinduoduo – aplicativo que permite que as pessoas façam compras em grupo, conseguindo descontos elevados com essa escala.
CONCORRÊNCIA
Certamente, a chegada da nova plataforma também será pautada pela discussão das taxações de produtos exteriores que o Ministério da Fazenda vem fazendo desde 2023. A legislação atual diz que nenhuma taxa é aplicada em compras de até US$ 50 feitas no exterior. Qualquer carga acima desse valor está sujeita a ser taxada.
Magaldi destaca que as varejistas brasileiras fazem uma campanha ferrenha por isonomia tributária com plataformas asiáticas como Shein e Shopee, e devem estender à Temu as mesmas questões das plataformas cross border que as antecederam.
E é nesse ponto que o especialista acredita que as brasileiras erram. Ao comparar essas plataformas chinesas com marketplaces nacionais, Magaldi diz que o consumidor se depara com experiências muito diferentes, pois as brasileiras ainda apresentam dificuldades imensas para o cliente, seja na jornada de compra ou na logística.
Enquanto isso, a Shein é um fenômeno como o aplicativo mais baixado no Brasil, boa usabilidade, produtos mais baratos, experiência geral fluida e leva 20 dias para entregar um produto vindo do outro lado do mundo.
“Todo mundo se atenta à questão tributária, que é importante, mas não é o que determina a ascensão desses marketplaces. O sucesso vem do uso intensivo de tecnologia, e que nenhuma brasileira parece querer replicar”, diz.
Ao relembrar o problema da fraude da Americanas, ele destaca que muito se falava sobre como recuperar a companhia da perspectiva financeira. No entanto, o especialista acredita na importância de outra reflexão: como salvar uma companhia que não é competitiva em tempos atuais? Como salvar empresas que não trabalham bons prazos de entrega, apresentam dificuldades no checkout, têm problemas de estoque e outros fatores que inibem o usuário a comprar on-line?
Segundo Magaldi, a chegada da Temu não é apenas uma questão de competição de preços ou de quem tem o melhor aplicativo. É sobre entender as necessidades do consumidor brasileiro, inovar nas estratégias de marketing e, claro, nunca subestimar o poder dos chineses quando o assunto é consumo.
IMAGEM: Redes Sociais